ARTIGO SAÚDE
UM LUGAR AO SOL PARA A VITAMINA D
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Ela é fundamental tanto para a mulher
grávida quanto para um atleta campeão olímpico. Sua escassez provoca
imensos problemas de saúde, mas tê-la em excesso também. Serve ao bebé
recém-nascido e ao idoso. É fundamental para o obeso e para o magro.
Poucas substâncias servem tão completamente ao organismo quanto a
vitamina D. A temporada dos corpos à mostra, com o verão e as férias, é o
momento mais adequado para a compreensão do funcionamento da chamada
vitamina do sol. Pode até chover hoje e amanhã, mas, dos 89 dias do
verão brasileiro, 66 serão ensolarados no Rio de Janeiro; 65, em Porto
Alegre; sessenta, no Recife; 46, em Brasília; e 45, em São Paulo. Até
dez anos atrás, a vitamina D estava associada, sobretudo, à manutenção
de um esqueleto forte. As descobertas mais recentes da medicina, no
entanto, indicam que praticamente todos os tecidos e órgãos se
beneficiam dela. “Direta ou indiretamente, a D está relacionada a pelo
menos 2000 genes, o que comprova a sua vasta gama de benefícios”, disse a
VEJA o endocrinologista americano Michael Holick, professor da
Universidade de Boston, o grande pesquisador do assunto e autor do livro
Vitamina D – Como um Tratamento Tão Simples Pode Reverter Doenças Tão Importantes.
A vitamina D faz nosso coração bater no ritmo adequado e nossas
artérias e veias pulsar em compasso. É ela que nos garante força
muscular e nos protege contra infecções, infartos e derrames, diabetes e
alguns tipos de câncer. A falta dela desregula o sistema de fome e
saciedade e nos faz engordar – e morrer de vergonha de, na praia, vestir
o biquíni e o calção.
Chamar a D de vitamina é um equívoco de
origem histórica. Isolada em 1922, a substância foi denominada vitamina
porque, acreditava-se, só poderia ser obtida por intermédio da
alimentação, em especial do óleo de fígado de bacalhau. As vitaminas são
compostos essenciais à saúde, mas não podem ser sintetizadas por nosso
organismo. Ela foi batizada de D porque era a quarta substância do tipo a
ser descoberta – depois das vitaminas A, B e C. A partir da década de
70, os pesquisadores, entre eles, Michael Holick, observaram que o corpo
humano, ao contrário do que se supunha, poderia, sim, produzir vitamina
D. Ou seja, a vitamina D não é uma vitamina, mas um hormônio. Existem
basicamente três formas de estimular o organismo a fabricar vitamina D.
Sem sombra de dúvida (com o perdão do trocadilho), o sol é a principal
delas. Uma pessoa de pele moreno-clara, olhos e cabelos castanhos, como a
atriz Débora Nascimento, precisaria de dez a quinze minutos nas areias
cariocas, entre 11 horas da manhã e 1 hora da tarde, três vezes por
semana, sem protetor solar, para sintetizar a substância. Ao incidir
sobre a camada mais superficial da pele, a epiderme, a radiação solar
deflagra uma cascata de reações químicas que resulta na síntese da
vitamina, em sua forma ativa, pelos rins. Dessa forma, a meia-vida da
substância no corpo humano é de quatro a seis semanas – o dobro da
duração da que pode ser obtida com a suplementação feita por intermédio
da dieta ou de cápsulas. “Como a vitamina D é solúvel na gordura, ela é
armazenada no tecido adiposo e liberada mesmo durante o inverno,
permitindo níveis suficientes da vitamina durante o ano todo”, explica
Michael Holick. O sol ideal para a substância é o mais abominado pelos
dermatologistas – do meio-dia às 2 horas da tarde, sem proteção. Nesse
período, predomina a incidência dos raios ultravioleta B (UVB), aqueles
que, em excesso, nos deixam vermelhos como pimentão e são o principal
fator de risco para o câncer de pele.
Dá-se, aí, um dilema monumental, um dos
mais fascinantes da medicina atual. A partir da década de 80, começaram a
surgir as primeiras associações entre os banhos de sol sem proteção e o
aumento no risco de câncer de pele. Desde então, os dermatologistas
preconizam que não se saia de casa sem besuntar o corpo (o rosto,
principalmente) com filtro solar. O que fazer então diante das
evidências de que, para a fabricação de uma substância tão crucial, como
a vitamina D, é preciso, ainda que por pouco tempo, tomar sol sem
protetor? Os médicos ainda não chegaram a um consenso, mas há pistas.
“Não existem pesquisas sobre os perigos em longo prazo das curtas
exposições ao sol para o câncer de pele”, diz Adilson Costa, chefe do
serviço de dermatologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
Muitos dermatologistas preferem não arriscar e recomendam a seus
pacientes o uso de suplementos à base de vitamina D ou o prolongamento
da exposição sem protetor nos períodos de sol mais fraco, como o início
da manhã e o fim da tarde. Outros especialistas, no entanto, são menos
conservadores. “Poucos minutos de sol intenso, seguidos de proteção
solar adequada, não são suficientes para causar câncer de pele em longo
prazo”, afirma Omar Lupi, vice-presidente do Colégio
Ibero-Latino-Americano de Dermatologia. Todos são unânimes em afirmar
que às pessoas vítimas do câncer de pele ou com histórico familiar do
problema não é recomendada a exposição solar sem cuidados. Dos tipos de
câncer de pele, o sol está associado ao mais comum deles, com 25% dos
518000 casos da doença no país. Não se trata da versão mais letal dos
tumores de pele, o melanoma. A radiação solar nada tem a ver com esse
tipo de câncer. Ao que tudo indica, aliás, conforme os mais avançados
estudos sobre o assunto, o sol pode até ser fator de proteção contra o
melanoma.
O protetor solar dos sonhos seria aquele
capaz de nos proteger do sol e, ao mesmo tempo, permitir a produção de
vitamina D pelo organismo. Mas isso, por enquanto, parece impossível
para os especialistas. Afinal, o mesmo raio UVB que causa câncer é o que
deflagra a síntese da vitamina – e como separar uma ação da outra? Os
estudos mais avançados em termos de proteção solar investigam a
fabricação de produtos compostos de nanopartículas, os filtros
inteligentes. Ao penetrarem as camadas mais profundas da pele, eles
teriam ação prolongada e dispensariam a necessidade de reaplicar o
protetor a cada duas horas e sempre depois do mar ou da piscina.
Apesar da fartura de sol no Brasil, a
escassez de vitamina D na população é preocupante. “Cerca de 50% dos
brasileiros com menos de 50 anos apresentam deficiência de vitamina D”,
diz Marise Lazaretti, chefe do Grupo de Doenças Osteometabólicas da
Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo. Entre
os idosos, o contingente chega a 80%. Esse é, em grande parte, o
resultado de anos de medo da exposição solar. Há de se levar em conta
ainda que a vida urbana nos afasta do convívio com o sol. Vivemos
trancados nos escritórios. presos no trânsito. As crianças ficam muito
tempo diante da televisão e do computador. Nessas condições, em casos de
deficiência, é necessário recorrer à suplementação com cápsulas de
vitamina D. Não é possível garantir essas doses extras por meio da
dieta. São poucas as fontes ricas em vitamina D, capazes de assegurar
uma alimentação diária equilibrada. Para alcançar níveis suficientes,
por exemplo, seriam necessárias três latas de sardinha, duas postas
generosas de salmão ou de 50 a 100 gemas de ovo todos os dias. Há dois
tipos de vitamina D: o ergocalciferol (ou vitamina D2), de origem
vegetal, e o colecal-ciferol (ou vitamina D3), encontrado nos animais e
produzido também pelos seres humanos. Os suplementos podem ser feitos a
partir de qualquer uma dessas fontes e são igualmente eficazes. No
Canadá, onde, em algumas regiões, o inverno chega a durar sete meses,
por determinação do governo a indústria alimentícia produz leites e
margarinas enriquecidos com vitamina D. Produtos desse tipo são comuns
também nos EUA e na Europa. No Brasil, aparecem timidamente nas
gôndolas.
Os médicos começaram a se preocupar com a
falta de vitamina D no início da Revolução Industrial, em meados do
século XVIII. À medida que as famílias trocavam o trabalho no campo
pelas fábricas, afastavam-se da energia solar e começaram a ter
problemas de saúde. Datam desse período os primeiros relatos médicos de
raquitismo, problema ósseo decorrente da deficiência da vitamina, comum
em crianças. A doença não só retardava o crescimento como deixava suas
vítimas mais suscetíveis a infecções, como a tuberculose. O raquitismo
atingiu proporções epidêmicas na Europa e em alguns estados americanos
mais ao norte. De cada 100 crianças que moravam em regiões
industrializadas, oitenta sofriam da doença. No início do século XX, o
banho de sol era prescrito pelos pediatras tal qual remédio. Quase dois
séculos depois, a medicina volta a eleger a vitamina D como um dos mais
potentes aliados da boa saúde.
Uma das frentes mais interessantes de
pesquisas é aquela que investiga o papel da substância na prevenção a
vários tipos de câncer – mama, intestino, próstata e ovário, entre
outros. A vitamina D funciona como uma espécie de sentinela da
multiplicação celular. No caso de proliferação exagerada das células,
ela induziria à apoptose – mecanismo de defesa no qual células
potencialmente malignas “cometem suicídio”. Graças a esse poder da
vitamina D, especialistas sugerem que os banhos de sol controlados
poderiam prevenir, só nos Estados Unidos, 185000 novos casos de câncer
todos os anos.
CUIDADOS DIFERENTES PARA CADA TIPO DE PELE
O tempo de exposição solar necessária para a síntese de vitamina D pelo organismo é determinado a partir do cruzamento de uma série de situações: a estação do ano, o tipo de pele, a localização geográfica e o horário do dia. Com base nas escalas desenvolvidas pelo pesquisador americano Michael Holick, a revista VEJA desenvolveu um sistema para determinar a atenção que cada pessoa deve ter ao se expor ao sol durante o verão, conforme a região em que ela se encontra, abaixo ou acima do Trópico de Capricórnio. No primeiro grupo, estão o sul e a região metropolitana de São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e o extremo sul de Mato Grosso do Sul. No segundo, estão todas as outras regiões do Brasil.
É possível ver a ilustração na Revista Veja desta semana (ano 46, nº 3).
CUIDADOS PRECOCES
Durante as férias, o tempo que a garotada fica sob o sol costuma aumentar. Na praia, na piscina ou no clube, os pequenos não podem ficar expostos sem proteção. “As crianças possuem uma pele mais fina que a dos adultos, e seu sistema produtor de melanina não está completamente amadurecido”, diz o dermatologista Adilson Costa, da PUC de Campinas. Pigmento natural da pele, a melanina funciona como uma espécie de filtro solar. Por causa dos componentes químicos dos protetores, as crianças só podem usar esse tipo de produto a partir dos 2 anos. Antes dessa idade, a proteção ideal se faz com guarda-sol, roupa e chapéu.
O sol mais seguro é o de antes das 10
horas e depois das 16 horas. E como fica a vitamina D em meio a tanta
proteção? Quase 10% das crianças e dos jovens de até 21 anos nos EUA
possuem deficiência da substância. Um estudo recente mostrou que as
crianças com doenças graves são, em sua maioria, as que têm os maiores
déficits de vitamina D. “É correto o pediatra solicitar que a criança
seja submetida a exames de dosagem de vitamina D no sangue”, diz Kerstín
Taniguchi Abagge, presidente do departamento científico de dermatologia
da Sociedade Brasileira de Pediatria. Em caso de escassez, é preciso
recorrer à suplementação.
8 PERGUNTAS ESSENCIAIS
1. É possível obter as quantidades mínimas necessárias de vitamina D somente peia alimentação?
Não. A variedade de alimentos ricos em
vitamina D é muito pequena, e fica impossível manter uma alimentação
equilibrada (e portanto saudável) a partir de uma dieta baseada em
salmão, gema de ovo ou shiitake. “O brasileiro consome cerca de um
décimo da vitamina D recomendada”, diz a endocrinologista Marise
Lazaretti. Além disso, o modo de preparo dos alimentos interfere na
quantidade de vitamina D neles contida. Quando frito, o salmão perde até
50% do micronutriente se comparado a quando ele é assado, cozido ou
grelhado.
2. Há pelo menos vinte anos os médicos advertem que tomar sol
sem proteção constitui fator de risco para o câncer de pele. Agora,
defendem a ideia de que, para obtermos a vitamina D necessária para o
bom funcionamento do organismo, devemos abrir mão do protetor. O que
fazer, afinal?
O argumento de que o
organismo só produz vitamina D mediante a exposição solar sem proteção
não deve ser interpretado como um “liberou geral”. Estatelar-se sob o
sol, sem nenhum cuidado, é proibidíssimo. Recomenda-se que, no verão
brasileiro, a duração dos banhos de sol para a obtenção de vitamina D
varie de um a 45 minutos, conforme o tipo de pele, a latitude e o
horário. Alguns dermatologistas argumentam que, apesar de não existirem
estudos sobre o assunto, os banhos de sol desprotegidos, ainda que
rápidos, podem, sim, deflagrar o câncer de pele. Todos são unânimes, no
entanto, ao condenar categoricamente a prática por pessoas com histórico
de câncer de pele na família ou que já tenham sido vítima da doença.
3. Qual é o melhor sol para a síntese de vitamina D?
É aquele que os
dermatologistas mais temem – o sol de verão, do meio-dia às 2 da tarde,
sem proteção. Durante a manhã e no fim da tarde, o percurso dos raios
solares através da atmosfera é oblíquo, e, portanto, a intensidade da
radiação é menor. Além disso, os raios são mais fortes na linha do
Equador, dada a perpendicularidade do Sol em relação à Terra. Dependendo
do fator de proteção do filtro solar, os protetores disponíveis hoje no
mercado podem reduzir em até 99% a fabricação de vitamina D.
4. Por que o tempo de exposição ao sol varia também conforme o tipo de pele?
Quanto mais escura for a
pele, mais difícil será a produção de vitamina D pelo organismo. Essa
dificuldade se explica pela presença em maiores quantidades de melanina,
o pigmento natural da pele, que funciona como uma espécie de filtro
contra a radiação solar. Os negros, por exemplo, precisam ficar dez
vezes mais tempo expostos ao sol sem proteção para que produzam o mesmo
volume de vitamina D que as pessoas de pele clara.
5. É preciso expor todo o corpo ao sol para a produção adequada de vitamina D?
Não. Basta expor os
braços e as pernas ao sol, três vezes por semana. Isso corresponde a
deixar aproximadamente 25% da área total do corpo sob a radiação solar.
Quando se está de biquíni ou calção, a porção do corpo descoberta chega a
75%, o que diminui consideravelmente a necessidade de exposição ao sol
sem proteção. A radiação diretamente sobre o rosto sem filtro está
terminantemente proibida. Do ponto de vista da fabricação de vitamina D,
não faz diferença, já que o rosto não chega a 10% da área total do
corpo.
6. O sol que tomamos enquanto estamos no trânsito é suficiente para a síntese de vitamina D?
Os raios ultravioleta
do tipo B (UVB), aqueles capazes de ativar a síntese de vitamina D, não
conseguem atravessar o vidro. Nos dias nublados, há uma redução de até
50% na fabricação de vitamina D. A poluição é também outro obstáculo. Um
estudo feito na índia revelou que, nas cidades com ar mais poluído, as
pessoas produzem 54% a menos de vitamina D do que em cidades limpas.
7. Os idosos produzem vitamina D na mesma intensidade que os mais jovens?
Não. Com o avançar da
idade, o organismo funciona em um ritmo mais lento. A quantidade de
vitamina D produzida por uma pessoa de 70 anos é, em média, um quarto da
que é sintetizada por um jovem de 20 anos. “Por isso, a indicação de
suplementação aumenta conforme a idade”, diz Sérgio Schalka,
dermatologista da Universidade de São Paulo (USP).
8. É possível substituir o sol pela suplementação de vitamina D? Sim. A suplementação é muito comum em regiões do Hemisfério Norte onde o sol é escasso. Nesses locais, durante o inverno,a síntese de vitamina D pode ser completamente interrompida.
FONTE: REVISTA VEJA