ARTIGO SAÚDE
OS BENEFÍCIOS DA MELATONINA
O SUPER HORMÔNIO
Recentes estudos provam que a
melatonina faz muito mais do que ajudar a dormir. Entre outros
benefícios, ela auxilia no emagrecimento, combate a diabetes, controla a
enxaqueca e protege contra os danos do mal de Alzheimer
Cilene Pereira e Monique Oliveira
Uma substância fabricada naturalmente pelo organismo está despontando
das pesquisas científicas como uma espécie de super-remédio. De acordo
com estudos realizados em todo o mundo, a melatonina, hormônio
responsável pela indução ao sono, é eficaz contra uma ampla gama de
enfermidades. Só para se ter uma ideia, ela ajuda a emagrecer, protege
contra os danos causados pelo acidente vascular cerebral, auxilia no
controle da hipertensão e da diabetes e reduz as crises de enxaqueca. Um
dos últimos benefícios descobertos foi o de diminuir a queda de cabelo
provocada por causas genéticas, a alopécia androgenética, conhecida como
calvície masculina.
Ainda não se sabe ao certo quais são os mecanismos que levam a esse
espectro tão grande de atuação. O que se descobriu recentemente e que
ajuda a entender parte desse fenômeno foi que existem receptores
sensíveis à ação do hormônio em todo o organismo. Produzida pela
glândula pineal – localizada no cérebro – na ausência da luz, até pouco
tempo acreditava-se que a substância agisse basicamente sobre os centros
cerebrais envolvidos no controle do relógio biológico, estimulando o
sono. Por essa razão, suas indicações mais conhecidas eram contra a
insônia e outros distúrbios associados ao sono, como o jet lag.
HERANÇA
Regina constatou que o hormônio passa
de mãe para filho pelo leite materno
A descoberta de suas outras funções foi gradativa. Hoje, uma das
áreas nas quais é possível encontrar conhecimento mais sólido a esse
respeito é a do câncer. A relação entre a melatonina e a doença começou a
ser mais investigada quando surgiram indicações de uma associação entre
o risco aumentado para a enfermidade e o trabalho noturno. A última
delas foi divulgada há poucas semanas na edição online do “British
Medical Journal”, uma das mais importantes publicações científicas do
mundo. Realizado no Queen’s University, no Canadá, um levantamento
mostrou que mulheres que trabalharam em turnos noturnos por mais de 30
anos apresentaram duas vezes mais chances de desenvolver tumor de mama.
Outra, divulgada no “American Journal of Epidemiology”, indicou a
associação entre homens trabalhadores noturnos a risco elevado para
câncer de próstata, pulmão, bexiga, reto, pâncreas e linfoma não
Hodgkin. Os resultados levantaram a hipótese de que a ligação entre as
duas coisas – trabalho noturno e câncer – fosse a baixa produção de
melatonina. “A exposição à luz, mesmo à noite, pode induzir a um
desequilíbrio na regulação biológica que propicia o desenvolvimento de
tumores”, disse à ISTOÉ a cientista Marie-Élise Parent, que comandou o
estudo com os homens.
Outros experimentos avançaram na elucidação da questão. Apontaram que
de fato o hormônio impede o crescimento das células tumorais, e por
caminhos diversos. “Ele protege o material genético das células”,
afirmou à ISTOÉ Antonio Soriano, da Universidade de Granada, na Espanha,
autor de uma revisão recente sobre o tema. Entre outras ações, a
melatonina impede que as células sofram com o estresse oxidativo –
processo que danifica o DNA – e ajuda a interromper a formação de novos
vasos sanguíneos destinados a alimentar o tumor.
Mecanismos como esses contribuem para explicar, por exemplo, o
resultado obtido pelos pesquisadores da Faculdade de Medicina de São
José do Rio Preto (SP) em relação aos efeitos do composto sobre o câncer
de mama. Em animais, a substância reduziu pela metade a forma mais
comum da doença. Além disso, o hormônio atenua efeitos colaterais da
quimioterapia. Na Universidade de Granada, os cientistas criaram um gel à
base de melatonina para proteger as mucosas do aparelho
gastrointestinal da inflamação decorrente do uso de quimioterápicos.
Sua ação sobre doenças neurológicas e psiquiátricas também parece
expressiva. O neurologista Mario Peres, da Universidade Federal de São
Paulo, concluiu um trabalho no qual ficou demonstrada sua eficácia
contra a enxaqueca. O médico comparou por dois anos a eficiência e a
tolerabilidade da suplementação de melatonina ao uso da amitriptilina,
antidepressivo receitado para prevenção das crises, e ao placebo.
Participaram 196 pessoas, com dois a oito episódios de crises por mês. O
médico observou redução de 2,7 pontos no uso de analgésicos e na
frequência e na intensidade das crises entre os que usaram melatonina;
de 2,1 entre os que tomaram amitriptilina; e de 1,1 nos que usaram
placebo. “E ela não causou sonolência diurna, ganho de peso, boca seca e
outros efeitos observados com o antidepressivo”, explica Peres.
Dos EUA vieram informações sobre efeitos de proteção aos neurônios,
algo importante, por exemplo, para impedir mais danos após acidentes
vasculares cerebrais. Uma pesquisa da Universidade do Sul da Flórida
revelou de que maneira a substância ajuda nessa tarefa. Uma de suas
ações é estimular que células-tronco se especializem em neurônios,
auxiliando, indiretamente, a repovoar áreas nas quais houve morte
neuronal. “A melatonina protege contra danos cerebrais e déficits de
comportamento resultantes do acidente vascular cerebral. Por esses
motivos, vislumbramos seu uso clínico contra o problema”, disse à ISTOÉ
Cesario Borlongan, coordenador do trabalho. Benefícios semelhantes foram
observados contra o mal de Alzheimer. Pesquisa da Universidade de
Barcelona, feita em cobaias, mostrou que uma dose diária do hormônio,
combinada a exercício físico, retardou a progressão da enfermidade. “Os
resultados foram extraordinários. O hormônio aumenta a capacidade de o
neurônio se defender de danos”, disse à ISTOÉ o fisiologista Dario Acuña
Castroviejo, líder do estudo. “Como sua produção natural costuma cair
depois dos 40 anos, recomendo a suplementação a partir dessa idade.”
SEM DOR
Pesquisa do neurologista Peres mostrou que a melatonina
diminui a frequência e a intensidade das crises de enxaqueca
Na Itália, há pesquisas em curso a respeito do papel do hormônio
sobre a depressão. Sabe-se que, na presença da doença, o ritmo
circadiano, mediado pela substância, encontra-se alterado. Um novo tipo
de antidepressivo – a agomelatina – entrou no mercado com o objetivo de
atuar sobre a melatonina e ajudar a regular o relógio biológico. No
Instituto Nacional de Saúde italiano, cientistas buscam entender como o
remédio atua. “Há interações que o tornam eficiente. E acredito que os
suplementos de melatonina devem ser usados com os antidepressivos, para
melhorar a qualidade do sono dos pacientes”, ponderou à ISTOÉ Domenico
De Berardis, coordenador do trabalho.
Por se tratar de um hormônio envolvido em operações básicas do
organismo, a melatonina também tem ação sobre o metabolismo –
propriedade que a torna eficaz para a perda de peso, segundo várias
pesquisas. Uma delas foi feita na Universidade de Granada, com animais, e
revelou perdas consideráveis entre as cobaias submetidas à
suplementação. “O resultado dá suporte à proposta da administração do
hormônio para tratar o excesso de peso em humanos”, escreveram os
pesquisadores.
Seus colegas italianos identificaram mecanismos pelos quais ocorre o
emagrecimento. Segundo experimento da Università Politecnica delle
Marche, entre outros efeitos, o hormônio reduz a ingestão de comida
porque estimula a atividade de moléculas envolvidas na supressão do
apetite. Além disso, outro trabalho, feito também na Itália, demonstrou
que a melatonina auxilia no controle da compulsão por comer à noite.
Experiência feita com um paciente tratado com a medicação agomelatina
terminou com uma perda de 5,5 quilos após três meses de uso. Os
desdobramentos desse tipo de estudo ajudarão a entender, por exemplo,
por que os obesos têm menos melatonina do que as pessoas com peso
normal.
No Brasil, o endocrinologista Bruno Halpern, coordenador da Liga de
Diabetes do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP),
está concluindo um projeto de pesquisa para investigar como se dá a ação
do hormônio sobre a gordura marrom, chamada de gordura que emagrece.
Ela se deposita na região do pescoço, abaixo da clavícula e ao longo da
espinha e tem como função gerar calor, o que é feito a partir da queima
de calorias armazenadas – é por essa razão que leva à perda de peso. “O
estudo será feito com pessoas que produzem pouca melatonina. A ideia é
comprovar a menor ativação do tecido marrom nessas condições”, diz o
médico. Entre os indivíduos com produção reduzida da substância estão
aqueles expostos a mais luz à noite.
Já no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, os estudos pretendem
elucidar como a melatonina influencia o metabolismo energético e
repercute na manifestação da diabetes. “Ela potencializa a ação da
insulina”, diz o pesquisador José Cipolla. A insulina é o hormônio que
possibilita a entrada, nas células, da glicose circulante na corrente
sanguínea. Quando sua produção é baixa ou sua atuação é prejudicada,
acumula-se açúcar no sangue, caracterizando a diabetes. “A redução da
melatonina intensifica o quadro diabético”, completa o cientista
brasileiro. Estudo da Universidade de Harvard (EUA), confirma a relação.
Foram selecionadas 370 mulheres com diabetes tipo 2 e outras 370
saudáveis. Nas portadoras da enfermidade, os níveis do hormônio eram
significativamente menores.
Motivados por evidências como essas, pesquisadores de cinco
laboratórios internacionais criaram a rede MELABETES. Uma das metas é
aprofundar as investigações, principalmente sobre o que leva alguns
pacientes diabéticos a apresentarem menor concentração de melatonina.
“Podemos ajudar essas pessoas dando a elas suplementos do hormônio”,
explicou à ISTOÉ Ralf Jockers, da Université Paris Descartes, na França,
organizador da iniciativa. “Mas isso deve ser feito em conjunto com o
médico.”
No laboratório comandado pela pesquisadora Regina Markus, na USP,
descreveu-se que a melatonina pode ser um dos motivos dos benefícios da
amamentação. “Encontrei uma maneira de medir sua concentração no leite
materno. Descobrimos que uma das principais razões da importância do
aleitamento materno é que, por meio dele, a melatonina passa de mãe para
filho”, diz Regina.
No Brasil, o hormônio não possui registro de comercialização na
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Mas não é proibido, o paciente
pode importá-lo. No entanto, os cientistas defendem sua maior
disponibilidade por aqui. “Temos todas as evidências para que ela seja
utilizada e vendida no País”, diz Regina Markus. “Ela deveria ser
comercializada ao menos como remédio”, diz Mario Peres. “É necessário
que seja suplementada no idoso, já que sua produção diminui com a
idade”, diz José Cipolla.
ACESSO
O cientista Cipolla defende que seja feita uma
suplementação para as pessoas mais velhas
Por enquanto, não é o que pensa o Conselho Federal de Medicina. A
entidade faz uma restrição ao seu uso como recurso antienvelhecimento.
Publicou uma resolução na qual determina que “são vedados no exercício
da medicina” alguns recursos antienvelhecimento usados “com a finalidade
de triagem, diagnóstico ou acompanhamento de doenças relacionadas ao
envelhecimento”. Entre eles está a melatonina. O médico que desobedecer a
norma pode ser advertido ou até perder o registro profissional. “Não
há evidência científica do efeito antienvelhecimento da melatonina. Os
estudos são experimentais”, diz Rubens França, membro do CFM.
Na opinião de médicos atualizados, que acompanham de perto os avanços
sobre o tema, isso não é verdade. “É o momento de se repensar o
potencial terapêutico da melatonina. Ele é muito grande. É hora de
reabilitá-la no arsenal de tratamento”, afirma o psiquiatra e
psicofarmacologista Sergio Klepacz, de São Paulo, autor do livro
Equilíbrio Hormonal e Qualidade de Vida. Na Europa e nos EUA, esse poder
já foi reconhecido há algum tempo. No continente europeu, o hormônio é
vendido como remédio e, nos Estados Unidos, como suplemento alimentar.
Fotos: Kelsen Fernandes;
Gabriel Chiarastelli; PEDRO DIAS/Ag. Istoé; Anderson Christian; Masao
Goto Filho /Ag. IstoÉ; Rafael Hupsel/Agência Istoé
Fonte: http://www.istoe.com.br/reportagens/317231_O+SUPER+HORMONIO?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage