quinta-feira, 6 de junho de 2013

ARTIGO FISIOTERÁPICO: ESCOLIOSE É UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA E NÃO É TRATADA DESSA FORMA


ARTIGO FISIOTERÁPICO

ESCOLIOSE É UMA QUESTÃO DE SAÚDE PÚBLICA E NÃO É TRATADA DESSA FORMA


O problema afeta 2% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A fisioterapeuta carioca Dra. Patricia Italo Mentges falou ao Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 2ª Região (Crefito-2) sobre um problema que “afeta 2% da população mundial, segundo a Organização Mundial da Saúde”: a escoliose. Há mais chances de cura quando o tratamento é iniciado na infância, mas a profissional ressalta que, ao contrário do que alguns afirmam, é possível reduzir o grau de curvatura e conferir ao paciente mais qualidade de vida.

A Dra. Patrícia mantém em seu blog – Fisioterapia para seu bem estar – uma série de conteúdos a respeito de fisioterapia e, em especial, sobre a escoliose. Neste espaço na internet ela aborda os desafios do tratamento e da conscientização sobre o assunto. Em sua clínica, localizada no Rio de Janeiro, além do atendimento aos pacientes, a profissional ministra diversos cursos livres.

Leia a entrevista na íntegra e conheça um pouco mais sobre a trajetória profissional desta especialista no tratamento da escoliose, que trabalha para que o assunto seja mais conhecido, diminuindo os mitos em torno do tema.


Crefito-2: Como se deu sua opção pela Fisioterapia como profissão?

Dra. Patricia Italo Mentges: Desde pequena tenho grande interesse pelo movimento humano, por exercícios físicos e pelo esporte. Minha primeira opção foi a Educação Física, que cursei Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e, posteriormente, trabalhei nesta área. Minha história com a Fisioterapia começa a partir da minha carreira como atleta. O esporte a que me dediquei foi canoagem, o que acentuou um problema estrutural nos meus joelhos – tenho três cirurgias no joelho esquerdo e duas do direito. Após tantos problemas e lesões, resolvi que era hora de parar. Eu fazia muitos exercícios de forma incorreta, hoje percebo isso como fisioterapeuta. Na época em que me formei como educadora física havia uma forte mentalidade do “quanto mais, melhor”. Fazia muita carga e esforço. Por isso, me machucava constantemente. Assim, conheci a Fisioterapia pelo lado do paciente, pois eu ficava muito tempo em tratamento. Eu vivia “no estaleiro”.


Crefito-2: Então a Fisioterapia a recuperou e, juntamente, a conquistou?

Dra. Patricia Italo Mentges: Sim. Antes da última cirurgia no joelho eu já havia optado pela Fisioterapia e, neste meio tempo, conheci trabalhos mais suaves, que me mostraram que a gente pode chegar ao corpo saudável não pela força ou pelo exercício extenuante, mas pela conscientização e pelo relaxamento. Foi na época em que a antiginástica de Therèse Bertherart e os trabalhos de consciência corporal chegaram ao Brasil. Quando ingressei no curso de Fisioterapia já tinha este enfoque em postura. Aliás, fui aluna da Dra. Regina Figueirôa, presidente do Crefito-2, na Universidade Estácio de Sá, onde me formei em 1996.


Crefito-2: O que a Fisioterapia representa hoje, para você?

Dra. Patricia Italo Mentges: Hoje a fisioterapia é sinônimo da minha vida. Tenho dedicação, paixão... É minha profissão e amo o que faço. Quando percebo resultados positivos é uma felicidade indescritível. Esta é minha relação com a Fisioterapia.


Crefito-2: Vamos falar sobre a escoliose. Quando resolveu atuar neste campo?

Dra. Patricia Italo Mentges: Descobri o assunto antes mesmo de me formar, em um de meus estágios. Minha primeira especialização – imediatamente após a faculdade – foi em RPG - Souchard, onde comecei a ter um olhar mais direcionado. Os pacientes com este problema começaram a chegar ao local onde trabalhava. No momento em que vi e atendi o primeiro caso de escoliose, não sei explicar em palavras, mas tive certeza de que era naquilo que eu iria atuar. Era – e ainda é – um grande desafio, por haver muito desconhecimento na área. Apesar de nos estágios eu ter visto pacientes acometidos pelo mal da coluna torta, quando tive o primeiro caso nas mãos concluí que tratar deste problema era o que eu queria para minha vida como fisioterapeuta.

O tratamento da escoliose exige muito estudo e dedicação. É preciso ser apaixonado pelo que se faz. A escoliose tem como consequência, entre outros sintomas, a dor nas costas que, aliás, foi tema do Programa Espaço Aberto – Saúde (Globo News) – em que participei.

Crefito-2: Onde você estudou sobre o assunto?
Dra. Patricia Italo Mentges: A primeira formação foi o RPG – Souchard – o básico e o avançado de escoliose. A seguir, fiz um curso, em 1998, com o Celso Dias, fisioterapeuta de São Paulo, infelizmente já falecido. Ele trouxe, da Escola de Lyon, na França, uma forma bem interessante de cinesioterapia específica para tratar a escoliose. Desde então, esses métodos da escola europeia vieram norteando meu trabalho, que já conta com 14 anos de muita experiência. A minha última formação fui buscar no exterior, numa escola que tem mais de 45 anos de estudos e desenvolvimento de pesquisas sobre tratamento conservador da escoliose. Esse centro está em Milão, na Itália, onde obtive o título de especialista em escoliose.


Crefito-2: Fale a respeito do quadro da formação, pesquisa e disseminação do conhecimento em relação à escoliose no Brasil.

Dra. Patricia Italo Mentges: Em termos de formação encontramos alguma coisa num curso avançado de RPG – Souchard, que pessoalmente considero insuficiente, pois hoje em dia as pesquisas no exterior indicam que o tratamento deve se adequar às necessidades individuais de cada paciente.  Não tenho informação sobre existência de alguma outra formação específica no Brasil.

As pesquisas em nosso país são poucas e irrelevantes para comprovarem a necessidade de que a escoliose seja vista como uma questão de saúde pública. O SUS, que atende a maior parte da população, não tem uma politica de saúde sobre o assunto. Só para reforçar, basta lembrar que a escoliose, segundo a Organização Mundial da Saúde, afeta 2% da população mundial. Ainda que se distribua este percentual por toda a população mundial, dá para concluir que não é pouca gente que sofre com o problema no Brasil.

Além disso, a maior parte – 80% dos casos – consiste de escoliose idiopática, ou seja, se desconhece o que a causa e atinge mais as meninas. Precisamos, ainda, de uma questão mais especializada dentro da Fisioterapia, diante da complexidade que a escoliose representa em torno do tratamento e da responsabilidade que isto significa, já que na maioria das vezes estamos falando de crianças e adolescentes. Por tudo isto, é preciso muito mais estudos e pesquisas acerca da escoliose. No Brasil, se temos algo, estamos engatinhando.


Crefito-2: Você desenvolve campanhas para tornar a escoliose mais conhecida e menos temida, certo?

Dra. Patricia Italo Mentges: Sim, estou desenvolvendo vários projetos. Entre eles está a parceria com a jornalista Julia Barroso, autora do livro “A menina da coluna torta”, que objetiva a conscientização e divulgação da escoliose e seu tratamento para a sociedade em geral e para os profissionais de saúde, realizando palestras informativas. Estamos trabalhando também na criação do 1º encontro brasileiro dos portadores de escoliose e seus familiares e cuidadores. Meu projeto maior é a criação do Instituto da Escoliose, que atenderia a população menos favorecida com um atendimento especializado, com qualidade no mínimo equivalente a encontrada nos centros que conheço do primeiro mundo. Esse Instituto será também um centro de formação para fisioterapeutas que queiram se especializar no tratamento da patologia. Em resumo, trata-se de um centro de atendimento, ensino, pesquisa e formação. Minha ideia é que a gente consiga avançar no conhecimento e no enfrentamento dos mitos, por meio de um trabalho sério.


Crefito-2: O tratamento demanda a integração entre vários profissionais da Saúde. Como se dá este trabalho em sinergia?
Dra. Patricia Italo Mentges: Ainda não temos muitas bordas ou fronteiras definidas. Quero começar um trabalho sério no Brasil sobre a importância da Fisioterapia dentro de uma equipe multidisciplinar. Estive ano passado na Itália, onde há um trabalho seriíssimo, em que a Fisioterapia (associada à utilização de colete ortopédico, quando necessário) é o centro de praticamente todo o tratamento, com exercícios específicos para a escoliose. Eles estão certos de que boa parte do sucesso do tratamento vem da real interação entre os profissionais da Saúde. O médico diagnostica, vê a necessidade a partir da avaliação do grau de escoliose do paciente e indica a fisioterapia especializada associada ou não à utilização do colete ortopédico. Ressaltam, naquele país, e em Centros especializados no tratamento da escoliose na Alemanha e na França, a importância do psicólogo, principalmente com crianças e adolescentes que têm dificuldade no uso do colete, que é um componente necessário e importante para segurá-la, ou melhor, conter a curva. Há também o técnico ortótico, que deve trabalhar na execução correta do que o médico prescreve.


Crefito-2: Com sua experiência, o que pode destacar sobre a implantação da equipe multiprofissional para o tratamento da escoliose no nosso país?

Dra. Patricia Italo Mentges: Ainda precisamos implantar estas parcerias no Brasil. O que temos é básico, normalmente com a indicação do profissional de medicina para o RPG, mas não é sempre este o ideal, pois existem crianças e adolescentes irrequietos que não se adaptam ao método. Atualmente, o médico desconhece o que a Fisioterapia especializada pode fazer. Há uma necessidade da implantação da Fisioterapia com especialidade na escoliose. Quando começarmos a comprovar o sucesso no tratamento, é óbvio que teremos o reconhecimento e o respeito médico, pois isto deve ser conquistado. Não há qualquer vantagem em alimentar discórdia. Devemos estar juntos em prol do paciente que está precisando de nós. É uma séria questão de maturidade e profissionalismo.


Crefito-2: A escoliose é um problema que só tem tratamento na infância e adolescência?

Dra. Patricia Italo Mentges: Há tratamento para o adulto também, principalmente para evitar o desgaste precoce das estruturas devido à pressão desigual. O adulto, na maioria das vezes, terá escoliose como sequela de algum acidente ou consequências de uma escoliose não tratada na infância ou na adolescência. É preciso ressaltar que, uma vez que esta vértebra se deforme, não há como garantir que uma escoliose estrutural possa zerar ou deixar a coluna reta. Mas podemos melhorar muito e deixar próximo do eixo ideal.


Crefito-2: Há algum tipo de orientação para prevenção e diagnóstico da escoliose?

Dra. Patricia Italo Mentges: O principal foco quando se fala no assunto, no mundo inteiro, é a prevenção. No Brasil, praticamente não se fala em tratamento conservador, o que dirá em prevenção. Quando se ouve falar, na maioria das vezes, é sobre a cirurgia. Isso certamente ocorre por falta de informação e, muitas vezes, a criança ou adolescente já se apresentam para a primeira consulta com curvas bastante acentuadas. Prevenção é palavra de ordem na escoliose, e deve ser acompanhada da detecção precoce. Há um gancho muito importante para a Fisioterapia a partir do reconhecimento de sua importância.


Crefito-2: É possível realizar um teste em casa? Pais e professores tem condição de perceber um problema na criança?

Dra. Patricia Italo Mentges: Sim, é possível. Na matéria em que participei na Globo News, por exemplo, apresentei um teste simples que pode ser feito em casa ou na escola, com a aferição da curva e percepção do desnível das costas no teste de flexão de tronco à frente. É um teste simples que pode ser ensinado e treinado para ser executado com eficiência. Desta prevenção, inclusive, podemos pensar no surgimento do fisioterapeuta escolar, que já existe na Europa. Há a possibilidade do fisioterapeuta especializado em escoliose trabalhar na detecção precoce e depois vir a abarcar este grande numero de pessoas que vão começar a procurar tratamento, já que passariam a tomar consciência bem cedo de que tem esta patologia. Sem sombra de dúvidas, abriríamos uma nova área de atuação para o fisioterapeuta no Brasil. Há muitos casos, mas tratamento adequado não.


Crefito-2: O assunto é vasto. Como faz para se manter atualizada?

Dra. Patricia Italo Mentges: Estudo constantemente, tenho assinatura em inúmeras publicações científicas e recebo informações de colegas fisioterapeutas de várias partes do mundo. No momento, estou concluindo uma formação na Itália em Fisioterapia aplicada à coluna vertebral no mesmo instituto onde me tornei especialista em escoliose.


Crefito-2: Obter melhoria da qualidade de vida é possível?

Dra. Patricia Italo Mentges: Evidentemente que sim. É importante ressaltar que a Fisioterapia especializada não pode ficar ausente do dia a dia do acometido pela escoliose, até nos casos extremos em que foi necessária a intervenção cirúrgica (implantação de hastes corretivas). A fisioterapia será imprescindível no pré e pós-operatório. Algumas correntes dizem que o tratamento da escoliose não alcança a redução de curva, e até concordo quando se trata de fisioterapia não especializada. Porém, posso refutar isto e dizer que, com o tratamento adequado (diagnóstico preciso, fisioterapia especializada, colete corretamente indicado e uma equipe multidisciplinar efetivamente integrada e uníssona) consegue-se redução de curva sim.


Crefito-2: Gostaria de fazer alguma consideração final?

Dra. Patricia Italo Mentges: Sim. Estou em um projeto de conscientização da população, e esperamos contar com a participação importante do Crefito-2. Eu, como fisioterapeuta, sinto-me bastante honrada e agradecida em poder falar com o órgão pois acredito ser importante começar contando com este apoio e exposição.

Completando tudo o que disse, acredito que no prazo de até mais um ano poderemos ter no Brasil, pelo meu intermédio, um curso de formação com certificação internacional. Gostaria de ressaltar que no âmbito da SOSORT (Society on Scoliosis Orthopaedic and Rehabilitation Treatment), há muitos trabalhos científicos e todos apontam para a relevância da fisioterapia especializada na participação deste tratamento na equipe multidisciplinar. Na SOSORT há médicos, ortóticos e fisioterapeutas. Tudo o que comentei está baseado em evidências científicas. Hoje em dia se queremos atuar em um campo ainda inexplorado, devemos fazê-lo sempre com muita responsabilidade, dedicação e competência.
Fonte: Crefito 2

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